Neste dia 3 de março, a morte do cantor José Rico, ícone da música sertaneja, completa 10 anos. José Rico morreu em Americana no ano de 2015, no Hospital da Unimed, aos 68 anos, devido à uma insuficiência do miocárdio, seguida de uma parada cardíaca.
Por conta deste episódio, o Especial AP traz uma reportagem com Geraldo Martins, ele foi produtor da dupla por quase duas décadas. Atualmente, mora em Americana, cidade em que Zé Rico morou e tem diversas histórias. A leitura reserva capítulos, vídeos e fotos inéditas do cantor.
Foram 18 anos de estrada. Noites sem dormir, shows inesquecíveis, desafios constantes e a honra de trabalhar ao lado de uma das maiores duplas sertanejas da história do Brasil. Geraldo Martins, o Gê, foi produtor de Milionário e José Rico, vivendo de perto os bastidores dessa jornada. Com um olhar saudoso, ele relembra os momentos marcantes, as dificuldades e, principalmente, a grandeza dos artistas que produziu.
Ele nos recebeu em casa, em Americana, para um bate papo, ver vídeos inéditos da dupla, momentos que estão guardados em dvds em sua sala. Shows, bastidores, momentos únicos de uma das maiores ou a maior dupla sertaneja de todos os tempos. Geraldo tinha o costume de sempre levar uma câmera filmadora para registrar momentos da banda. Atualmente é até fácil ter imagens com o uso dos smartphones, mas no final dos anos 90 e 2000, não era tão simples. O acervo de imagens é riquíssimo.

“O que mais chamava a atenção era o fato de eles não saberem o valor que tinham. Sempre deu a sensação de que não tinham plena consciência de sua importância no meio musical”, conta Gê.
Geraldo chegou à banda por meio de um convite dos empresários da dupla na época, Cirineu e André. No começo, ele foi convidado para fazer a divulgação do CD lançado na época e depois começou a viajar vendendo produtos como camiseta, cds, bonés, em 1997 até chegar à produção em 2000.
A rotina como produtor era intensa. Desde os anos 2000, ele era responsável pela logística de uma equipe que chegava a quase 30 pessoas, entre músicos, técnicos, dançarinos – nesta época só dançarinos não havia dançarinas – e os próprios artistas. Coordenava hospedagem, alimentação, entrevistas, reuniões com contratantes e todo o planejamento para que os shows acontecessem sem problemas — ou, pelo menos, com o mínimo de imprevistos possível. Os pedidos vinham do escritório do cantor e as tarefas deviam ser cumpridas.
E os imprevistos, claro, aconteciam. Já imaginou o cantor Zé Rico não ir a um show?
O episódio aconteceu em Mineiros (GO), onde o público aguardava ansioso pela apresentação da dupla. De Campinas, Zé Rico saiu para o show, até aí, tudo certo, mas um detalhe mudou todo o planejamento. Zé não chegava por conta de um motivo plausível, o sono forte da lenda. Até a Polícia Federal foi chamada no caso.
Neste momento, como o responsável pela dupla, no caso pela por Milionário e a banda, ele decidiu sair rapidamente do local para evitar mais transtornos.
— “Fizemos tudo o que tinha pra ser feito, mas o Zé não apareceu para o show. O povo ficou revoltado, tentamos falar com eles, mas tivemos que sair do palco meio que fugindo. Depois descobrimos que ele havia embarcado no avião certo, mas dormiu e acordou em Fortaleza! Foi um desespero até localizá-lo. O show acabou sendo remarcado, mas foi uma loucura”, lembrou hoje aos risos.
Para os fãs Zé Rico sempre se mostrou um profissional cuidadoso com o que oferecia ao público. José Rico era um artista intenso. Tinha momentos de introspecção e exigência musical, mas também se divertia com as imitações de crianças e velhinhos, que Gê fazia para arrancar risadas nos momentos de descontração. Gostava de contar sua história de vida, desde a infância difícil no sertão de Pernambuco até a consagração no sertanejo. O respeito pelo ofício era absoluto: não admitia playback, sequenciadores ou qualquer artifício que não fosse a música ao vivo.
— “O Zé pegava muito no pé do baterista. Tudo tinha que ser perfeito”, lembra Gê.
O icônico visual de José Rico sempre chamou a atenção dos fãs e daqueles que não são amantes do sertanejo. Os óculos escuros, as pulseiras, os anéis e os relógios de ouro eram parte da sua identidade, mas nada impressionava mais do que sua voz potente.
“As vozes do Zé e do Milionário combinadas formavam um timbre inconfundível”, disse.
Nos bastidores, Zé Rico era generoso com os fãs, chamando-os carinhosamente de “meu povo”.
Gê lembra que em aeroportos era comum encontrar com outros artistas. “Sempre vinha o pessoal do Rock, artistas e músicos tatuados, cabelo grande e de preto, vinham me pedir se podia tirar uma foto com o José Rico e, lógico eu dizia, sim, pois eu havia avisado o Zé que a maioria dos roqueiros adorava ele. Todos tinham uma admiração e respeito por ele. Depois que tiravam as fotos, agradeciam demais, alguns quando se despediram beijavam a mão do Zé”, lembra.

Apesar da fama, algumas vezes, Zé Rico se recolhia e evitava fotos ou filmagens.
— “O curioso é que, no dia a dia, ele não gostava que tirassem fotos ou gravassem ele. Mas, nos encontros com os fãs, atendia a todos quando estava bem”, comentou. Essa fase do cantor foi observada em muitos vídeos que Geraldo possui, muitas vezes a banda estava reunida, mas Zé ficava tranquilo no hotel, sem compromissos.
A relação entre Ge e José Rico transcendeu os palcos. O cantor costumava visitar a casa do produtor, onde subia no pé de jabuticaba para se deliciar com as frutas antes de se refugiar no estúdio, que até hoje está no fundo da casa do ex-produtor, assistindo a vídeos de Elvis Presley e Roberto Carlos, dois de seus ídolos.
— “O detalhe é que ele pedia para ninguém saber que estava lá. Como eu sempre estava com os carros dele, os vizinhos nem notavam”, comentou Gê.
Geraldo Martins é um cara do rock and roll, mas em sua parede, o único a estampar seu trabalho em meio a bandas consagradas do rock mundial, está o quadro de Milionário e José Rico.

A saudade aperta. De José Rico, que partiu em 2015, e do próprio Milionário, com quem Ge perdeu o contato.
“Sinto saudades dos dois. Mas, no caso do Zé, o Brasil inteiro sente falta desse grande artista. Suas músicas sempre respeitosas conquistaram fãs no país todo e até fora dele”, disse.
Hoje, o produtor olha para trás com gratidão. Foram anos intensos, vividos ao lado de dois gigantes da música sertaneja. E, no fim das contas, o que fica são as histórias, as lembranças e o eterno legado de Milionário e José Rico.
“Me sinto muito honrado em ter trabalhado com o Zé Rico e no caso com a dupla.Porque eu acho que a ficha cai depois de tudo ter acontecido, a gente vê que foi um privilégio em ter feito parte dessa história tão importante que foi esse legado da vida do Zé Rico um fenomenal artista”, comenta.
No final da entrevista, ele encerrou com uma frase tradicional do cantor. “Um Zum pra todos vocês”, brincou.